Multiparentalidade
Multiparentalidade[edit]
1. Introdução[edit]
A afetividade, como princípio norteador da constituição dos vínculos familiares, já se solidificou na aplicação do Direito de Família, assumindo um papel central, sendo o instituto da multiparentalidade um de seus feitos mais significativos.
A afetividade atua como vetor central para a constituição desses vínculos, pois, em um contexto onde as famílias já não se restringem apenas aos laços biológicos, mas se expandem por meio das relações socioafetivas, é imprescindível que o Direito se adapte para refletir essas novas configurações, garantindo a legitimidade dos vínculos estabelecidos pela afetividade.
Nesse contexto, o Princípio da Afetividade se destaca como o principal pilar e combustor para a construção das relações familiares contemporâneas. A identidade familiar já não se limita a laços biológicos atribuídos pela troca de material genético, mas se constrói a partir de relações fundadas na convivência e no amor.
2. Instituto da Multiparentalidade[edit]
A multiparentalidade, enquanto instituto jurídico emergente, representa a possibilidade do reconhecimento simultâneo de mais de dois vínculos de filiação em relação a um mesmo indivíduo, admitindo, portanto, a coexistência de laços biológicos e socioafetivos. Essa configuração rompe com a estrutura tradicional biparental, historicamente consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, e reflete o reconhecimento da pluralidade das relações familiares na contemporaneidade.
No plano doutrinário, destaca-se que a multiparentalidade não possui caráter meramente registral, mas revela uma realidade social que exige tutela jurídica eficaz, a fim de assegurar a efetivação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os filhos e do melhor interesse da criança e do adolescente.
A construção do conceito jurídico de multiparentalidade é indissociável da ascensão do princípio da afetividade como vetor normativo das relações familiares. A afetividade, neste contexto, é elevada à condição de elemento jurídico passível de valoração, e não apenas um sentimento subjetivo. A doutrina e a jurisprudência contemporâneas têm reconhecido que o afeto concretamente demonstrado por condutas objetivas — como convivência, cuidados, criação e reconhecimento social — pode fundamentar o estado de filho e, por consequência, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, independentemente do vínculo genético.
A base para o reconhecimento da multiparentalidade reside na posse do estado de filho, instituto que exprime a vivência da filiação por meio de condutas reiteradas no tempo, compatíveis com a realidade parental. Essa posse é aferida por elementos objetivos tradicionalmente conhecidos como *nomen*, *tractatus* e *fama*, ou seja: o uso do nome de família, o tratamento ostensivo como filho e o reconhecimento social da filiação. Tais elementos, quando presentes de forma concomitante, conferem validade e legitimidade à parentalidade socioafetiva e fundamentam, juridicamente, a coexistência desta com a filiação biológica.
O reconhecimento da multiparentalidade também desafia os limites rígidos do vínculo genético como critério exclusivo para o estabelecimento da filiação. Conforme destaca a doutrina civilista moderna, o vínculo parental não se resume à origem biológica, sendo este apenas um dos elementos possíveis de constituição da parentalidade. A multiparentalidade, nesse sentido, reflete o deslocamento do critério genético para o critério relacional e afetivo, privilegiando o exercício concreto das funções parentais como elemento definidor da relação jurídica entre pais e filhos.
No plano legislativo, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não contenha previsão expressa acerca da multiparentalidade, a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo sua validade a partir da interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, especialmente dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da igualdade entre os filhos (art. 227, §6º) e da proteção integral da criança e do adolescente (art. 227, caput). O Código Civil de 2002, ao não limitar numericamente os vínculos de filiação, permite a recepção da multiparentalidade sob a égide constitucional, sendo o reconhecimento judicial apenas a confirmação formal de uma realidade socioafetiva preexistente.
Destaca-se, ainda, que a multiparentalidade não implica a sobreposição de vínculos, mas sim sua coexistência harmônica, desde que ambos — biológico e socioafetivo — estejam consolidados e revestidos dos atributos jurídicos exigidos. Assim, o reconhecimento da parentalidade múltipla não visa suprimir a filiação originária, mas ampliar a rede de proteção e responsabilidade familiar em benefício do filho, que passa a ser titular de direitos perante mais de uma figura parental.
Esta compreensão tem sido acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, especialmente por meio dos enunciados do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e dos enunciados do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.
Considerações finais[edit]
Por fim, a multiparentalidade configura um avanço na concepção jurídica da família contemporânea, permitindo que o Direito se adeque às novas estruturas sociais e afetuosas que se formam fora dos moldes tradicionais. Ao reconhecer que pai ou mãe é também aquele que assume, de forma duradoura e responsável, o papel de cuidador, provedor e educador, o ordenamento jurídico brasileiro reafirma seu compromisso com a proteção integral da infância e juventude, valorizando o afeto enquanto fundamento legítimo de constituição dos vínculos familiares.
Referências[edit]
- ÂMBITO JURÍDICO. A coexistência de filiações no contexto da multiparentalidade. Disponível em: [1]. Acesso em: 29 nov. 2024.
- MIGALHAS. Os impactos jurídicos da multiparentalidade no Brasil. Disponível em: [2]. Acesso em: 10 abr. 2025.
- FERNANDES, Ana Carolina de Souza. O impacto do princípio da afetividade nas relações familiares contemporâneas. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. Disponível em: [3]. Acesso em: 10 abr. 2025.
Autoria[edit]
Este texto foi elaborado por **Amanda Becker Rodrigues** como parte das atividades avaliativas da disciplina.